Ela levantou-se pela manhã, no horário de sempre, não que tinha algo a fazer, só gostava de ver o sol nascendo pela longa janela de seu quarto. Passou os olhos pelo quarto e viu sua cama posicionada em frente à TV não gostava daquilo... Caminhou pela casa com passos lentos e mórbidos, estava de saco cheio pra tudo aquilo, família, amigos... Trabalho... Pessoas, daquele dias tediosos e normais, o que era mais horroroso era a normalidade das coisas, dos fatos. Tirou o pijama leve, de cores claras e entrou no banho, aproveitando cada gota de água que caia em seu magro corpo nu.
Trocou-se vagarosamente, vestindo cada peça de roupa – agora escura – como se fosse a ultima vez que colocaria pano sobre seu corpo. Ao sair do apartamento reparou nos toques de antiguidade, vitrola, lp’s, livros raros e antigos, exemplares de Machado de Assis, Carlos Drummont... Obras que valiam muito para qualquer alfarrabista por aí. Despediu-se do apartamento com um sorriso vago no rosto, sua vizinha, Dona Madalena, a viu e perguntou se estava tudo bem, com toda a falsa alegria que alguém poderia sentir disse que sim, remoendo-se por dentro. Colocou como de costume, a chave debaixo do tapete escrito “bem vindo”.
Morava no 11º andar de um edifício, tinha um pânico mortal de elevador, sempre ia por escadas, aquelas estreitas escadas... Começou a descer elas com muito cuidado, calculando o momento, aquele momento. Segurando no corrimão, chegou à garagem, subsolo, avistou de longe seu carro, caminhou até lá, ombros caídos, olhar de miséria... Entrou no carro.
Dirigiu até o Parque Villa Lobos, entrou em uma banca de jornal e comprou o novo exemplar da Folha De São Paulo – como fazia diariamente – despediu do jornaleiro, olhar de lunático, grandes óculos, rosto magro. Na frente havia uma lanchonete, vazia. Entrou, sentou-se e pediu seu típico suco de laranja com pão de queijo, não gostava de Fast Food – Encurta a vida, pensava – Mas isso agora não era problema, iria acabar com isso mais tarde. Hoje.
Saiu da lanchonete, sem dar adeus ao homem que estava atrás do balcão, foi para seu trabalho em um escritório de advocacia, era a personagem principal daquele horroroso enredo. Sem cumprimentar seus colegas de trabalho foi para sua sala.
Naquele dia ninguém aparecera, mas foi completamente útil para terminar de ler seu exemplar de The Catcher In The Rye de J. D. Salinger, uma literatura que a deixou completamente alucinada. Juntamente com os goles de café que tomava, ia saboreando cada capitulo da história de Holden Morrissey Caulfield. Eram 4:30 quando terminou seu período, sua decisão estava mais que planejada a tempos, não mudaria. Olhou em volta de sua ampla sala, aonde havia uma estante de madeira, com apostilas, arquivos, retratos de sua família e a mostra de sua luxuria.
Dessa vez decidiu deixar o carro, atravessou a rua, viu uma placa grande e luminosa escrita “drogaria” entrou, foi até o balcão, olhou nos olhos fundos da moça do caixa, loira, alegre, aspecto de maioridade. Perguntou se ela tinha lâminas tipo gilete, ela mexeu a cabeça afirmando, perguntou quanto, ela disse que 1 pila, pediu 2, deu 5 pilas, saiu sem pegar o troco e nem se despedir.
Perto da farmácia havia banheiros públicos, achou repugnante. Perfeito!
Tirou uma das lâminas do bolso, ficou a observando por alguns instantes, ainda embalada pelo papel de proteção – como se ela quisesse proteção – pensou que tudo poderia ser diferente, mas não era, tinha que aceitar sua realidade paralela, sua mente perplexa. Entrou em um dos boxes do banheiro.
Ela tirou a blusa de lã branca, enrolou em seu braço – já cicatrizado – tirou a proteção da lâmina, tocou-a em seu dedo indicador, estava afiada. Boa! Sangrou um pouco, foi o inicio daquele maldito ato. Segurou a lâmina com a mão esquerda, mordeu um lado da blusa e soltou uma lagrima fria, fechou os olhos, apertou as pálpebras com força e tocou a lâmina em seu braço, arrastou-a até o inicio do antebraço, sangrou, o sangue invadiu os lados, foi o só o primeiro, difícil talvez. Abriu os olhos e viu o sangue que escorrera ao chão, criou mais coragem e continuou o mesmo ritual, apertando as pálpebras, mordendo a blusa e cortando... Cortando... Cortando...
Quando abriu os olhos novamente estava deitada no chão do banheiro com sangue negro em sua volta e a lâmina nas mãos sujas. O braço em estado terminal, com cortes visivelmente provocados por ela mesma. Levantou-se do chão, saiu do boxe com a sua bolsa, Foi até o lavatório publico e lavou o braço e as mãos, água gelada de uma madrugada fria.
Sentia-se bem, aliviada, olhando no relógio eram 3 da manhã, nada de anormal. Jogou a lâmina já usada no lixo, a outra, guardou para uma próxima vez. Saiu do banheiro, atravessou a rua escura, entrou no carro, seguiu para sua casa. Aonde teria uma longa noite de sono. Amanheceria e o dia seria igual a todos os outros...
Só mudaria seu próximo exemplar literário.
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