28 de março de 2010

O amor é fodido


Quanto mais vou sabendo de ti, mais gostaria que ainda
estivesses viva. Só dois ou três minutos: o suficiente para te matar.
Merecias uma morte mais violenta. Se eu soubesse, não te tinha
deixado suicidar com aquelas mariquices todas. Aposto que não
sentiste quase nada. Não está certo. Eu não morri e sofri mais do
que tu. Devias ter sofrido. Porque eras má. Eu pensava que não.
Enganaste-me. Alguma vez pensaste no que isso representou na
minha vida miserável? Agora apetece-me assassinar-te de verdade.
E indecente que já estejas morta.
Quando tomaste os comprimidos sabias que estavas a safar-te.
De boa. Confessa. Foi um bom negócio. As pessoas que levaram
uma vida como a tua costumam morrer em circunstâncias que
deixam muito a desejar. Afogadas em aquários. Estendidas de
pernas abertas numa paragem de autocarro, esfaqueadas, sem
cerimónias, e estranguladas por uma histérica numa casa de banho.
Eu tinha-te dado um tiro. Um tiro limpo nessa cabecinha — o
suficiente para te assustar, mas rápido. A doer um bocadinho.
Morreste há quatro anos. Já deves ter apodrecido. Não gosto
de pensar assim em ti. Tenho pena. Eras tão vaidosa. Deves estar
linda... Um dia embebedo-me e vou desenterrar-te, só para olhar
para a tua cara, ver se é verdade que os cabelos crescem, cheirarte
de perto, tu que cheiravas sempre tão bem, mesmo quando se
passavam dias sem tomares banho. Se calhar, até nisso me vais
desiludir e sais-me uma daquelas criaturas incorruptas, de cadáver
inalterado, com aquela frescura recém-falecida, de quem acaba
desportivamente de tomar cento e vinte barbitúricos, incorrupta e
coberta de chuva de cemitério.

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